2 de janeiro de 2011

Teatro do Brasil



O teatro em terras brasileiras nasce em meados do século XVI como instrumento de catequese dos Jesuítas vindos de Coimbra como missionários. Era um teatro, portanto, com função religiosa e objetivos claros: evangelizar os índios e apaziguar os conflitos existentes entre eles e os colonos portugueses e espanhóis.
O primeiro grupo de Jesuítas a desembarcar na Bahia de Todos os Santos, em 1549, era composto por quatro religiosos da comitiva de Tomé de Sousa, entre os quais o padre Manuel da Nóbrega. O segundo grupo de missionários chegou à então Província do Brasil no dia 13 de julho de 1553, como parte da comitiva de Duarte da Costa. No grupo de quatro religiosos estava o jovem José de Anchieta (1534-1597), então com dezenove anos de idade.
A população estimada de 57 mil habitantes era composta por colonos, muitos deles criminosos, e índios em sua maioria de vida nômade. Os jesuítas mantinham os indígenas em pequenas aldeias, isolados de dois terríveis perigos: a vida desregrada e a escravidão impostas pelo homem branco explorador e o conseqüente retorno ao paganismo.
A tradição teatral jesuítica encontrou no gosto dos índios pela dança e pelo canto um solo fértil e os religiosos passaram a se valer dos hábitos e costumes dos silvícolas - máscaras, arte plumária, instrumentos musicais primitivos - para as suas produções com finalidades catequéticas.
Tematicamente, essas produções mesclavam a realidade local (tanto de índios quanto dos colonos) com narrativas hagiográficas (vidas dos santos). Como toda espécie de dominação cultural prescinde um conhecimento da cultura do dominado, o Padre Anchieta seguiu o preceito da Companhia de Jesus que determinava ao jesuíta o aprendizado da língua onde mantivessem missões. Assim, foi incumbido de organizar uma gramática da língua tupi, o que fez com sucesso.
[editar]Dramaturgia de catequese


Entrada do teatro universitário da UFMG, em Belo Horizonte.
Há notícia de 25 obras teatrais, todas de tradição medieval com forte influência do teatro de Gil Vicente em sua forma e conteúdo, produzidas nos últimos 50 anos do século XVI. O gênero predominante é o auto e alguns deles não têm autoria comprovada; muitos outros, como se sabe, são atribuídos ao padre Anchieta (por vezes contando com a colaboração do padre Manuel da Nóbrega). De algumas dessas obras têm-se apenas o título, são elas:
1557 Diálogo, Conversão do Gentio - padre Manuel da Nóbrega.
1564 Auto de Santiago - representado em Santiago da Bahia.
1567-70 Auto da Pregação Universal - padre José de Anchieta - representada em São Vicente e São Paulo de Piratininga.
1573 Diálogo - representado em Pernambuco e na Bahia.
1574 Diálogo - representado na Bahia.
1574 Écloga Pastoril - representado em Pernambuco.
1575 História do Rico Avarento e Lázaro Pobre - representado em Olinda, padre
1576 Écloga Pastoril - representado em Pernambuco.
1578 Tragicomédia - representada na Bahia.
1578 Auto do Crisma - padre José de Anchieta - representada no Rio de Janeiro
1583 Auto de São Sebastião - representado no Rio de Janeiro.
1583 Auto Pastoril - representado no Espírito Santo.
1583 Auto das Onze Mil Virgens - representado na Bahia
1584 Diálogo da Ave Maria - representado no Espírito Santo
1584 Diálogo Pastoril - representado no Espírito Santo
1584 Auto de São Sebastião - representado no Rio de Janeiro
1584 Auto de Santa Úrsula - padre José de Anchieta - representado no Rio de Janeiro
1584 Diálogo - representado em Pernambuco
1584 Na Festa do Natal - padre José de Anchieta
1586 Auto da Vila da Vitória ou de São Maurício - padre José de Anchieta - representado em Vitória (ES)
1586 Na Festa de São Lourenço ou Auto de São Lourenço - padre José de Anchieta
1587 Recebimento que Fizeram os Índios de Guaraparim - padre José de Anchieta - representado em Guarapari (ES)
1589 Assuerus - representado na Bahia.
1596 Espetáculos - representado em Pernambuco
1598 Na visitação de Santa Isabel - padre José de Anchieta
Os espetáculos tinham como elenco os índios catequizados e eram apresentados, na maioria das vezes, ao ar livre – alguns deles tendo a selva por cenário; noutros, ao estilo do teatro medieval, nos átrios das pequenas igrejas.
De todos, o espetáculo mais grandioso foi do "Auto das Onze Mil Virgens", em maio de 1583, em honra aos padres Cardim e Gouveia e que contou com a participação de todo o povo da Bahia. Este auto, que era uma tragicomédia inspirada na vida de Santa Úrsula e na lenda das onze mil virgens, foi representada cinco vezes entre os anos de 1582 e 1605.
O pesquisador Mario Cacciaglia em sua "Pequena História do Teatro Brasileiro" faz uma rica descrição do que teria sido a primeira apresentação (1583), que ele adjetiva como espetacular, como segue: "...depois da missa, com acompanhamento de um coro de índios, com flautas e, da capela da Catedral, com órgãos e cravos, teve início uma procissão de estudantes precedida pelos vereadores e pelos sobrinhos ou netos do governador; os estudantes carregavam três cabeças de virgens cobertas por um pálio e puxavam sobre rodas uma esplêndida nau sobre a qual eram levadas em triunfo as virgens mártires (estudantes travestidos), enquanto da própria nau eram feitos disparos de arcabuz. De vez em quando, durante o percurso, falavam das janelas personagens alegóricas, em esplêndidos costumes: a cidade, o próprio colégio e alguns anjos. À noite foi celebrado na nau o martírio das virgens, com o aparato cênico de uma nuvem que descia do céu e dos anjos que chegavam para sepultar as mártires."
Outras narrativas chegam até nós, algumas envolvendo embarcações, salvas de arcabuzes, uivos e gritos de índios, flautas e percussões; todas elas assistidas pelos colonos, pelos índios e, claro, pelas autoridades locais, todos chegando às lágrimas ante os dramas encenados por vezes nos adros das igrejas, noutras em anfiteatros montados no entorno dos templos.
[editar]Teatro Anchietano
Como se sabe, os únicos textos de toda essa produção chegados aos nossos dias são de autoria do Pe. José de Anchieta, graças ao seu processo de beatificação iniciado em 1736.
Considerado por Sábato Magaldi "o texto mais complexo e digno de interesse" de toda a obra do missionário, o Auto de São Lourenço ou Na Festa de S. Lourenço é uma peça trilíngüe que teve sua primeira representação na cidade de Niterói em 1583. O texto é rico em personagens e situações dramáticas, envolvendo canto, luta e dança para narrar o martírio do santo. Há muitos aspectos que denotam a inteligência do missionário ao urdir a trama, mas é digno de nota o artifício de substituit o tradicional mecanismo do sincretismo religioso por um outro que poderíamos classificar de sincretismo demonológico. Assim, Anchieta aproxima os demônios da igreja católica dos demônios familiares aos índios (Guaixará, Aimberê e Saravaia) - nomes tomados dos índios Tamoios que se uniram aos invasores franceses, forma também de criticar a situação política do momento. Os demônios advogam pelos terríveis hábitos dos índios: o cauim, o fumo, o curandeirismo e a poligamia. O texto, trilíngüe, visa dialogar com índios, portugueses e espanhóis.
Outro texto do Padre Anchieta, Na Festa de Natal, é uma releitura do Auto de S. Lourenço, com menos personagens e cenas. Neste caso, os demônios dificultam os Reis Magos a encontrarem a manjedoura onde se encontra o Salvador. Este auto é em sua maioria escrito em Tupi, por razões óbvias de catequese.
Já o drama Na Vila de Vitória foi representado, como de hábito, no adro da Igreja de São Tiago por ocasião da chegada de um grupo de missionários europeus com destino ao Paraguai. Por esse motivo, a peça parece estar dirigida a um público feito exclusivamente de colonos, uma vez que faz muitas referências a acontecimentos então recentes das sociedades portuguesa e espanhola, além de mencionar os conflitos envolvendo colonos e índios. A apresentação tinha, em seus três atos, ações bastante complicadas decorrentes do fato de ser crivada de personagens alegóricas: o Mundo e a Carne (dois demônios, respectivamente), a Cidade de Vitória (uma nobre dama), o Governo (um senhor muito digno), a Ingratidão (uma bruxa), o Amor a Deus, o Temor a Deus, São Vitor e o Embaixador do Prata (cujo objetivo era levar as relíquias de São Maurício, cujo martírio é narrado na encenação).
Em Recebimento que fizeram os índios de Guaraparim ao Padre Provincial Marçal Beliarte, Anchieta cria divertidos diálogos entre demônios que prometem levar muitos pecadores locais para os infernos, além de cânticos de arrependimento dos indígenas que um dia foram antropófagos.
Na visitação de Santa Isabel, considerada última obra do jesuíta, é um diálogo em espanhol que narra o encontro da Virgem Maria com sua prima, Isabel (mãe de São João Batista). Finalizada por uma procissão solene, a encenação era para celebrar a construção de uma Santa Casa de Misericórdia, com data e local de representação obscuros.

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