22 de outubro de 2010
A luta contra os astros é a luta pela memória de Tarauacá
Diz Oscar Wilde no prefácio de seu livro O retrato de Dorian Gray que não existem livros morais nem livros imorais. Um livro ou é bem ou mal escrito. É tudo. A luta contra os astros de José Higino de Sousa Filho é um dos mais belos e bem escritos livros sobre a história social de Tarauacá. Publicado em 1994, o livro descreve a vida cultural da sociedade tarauacaense por volta do ano de 1948, referindo-se à mudança de costumes nas primeiras décadas do século XX, quando Tarauacá estava vivendo sua belle époque, proporcionado principalmente pelo extrativismo da borracha quando na cidade morava uma elite que realizava grandes bailes e espetáculos teatrais com regularidade, conforme ressalta Margarete Edul Prado em seu livro Motivos de mulher na Amazônia.
A luta contra os astros usando as palavras instigantes de José Chalub Leite no prefácio da obra, é o resgate da memória acreana [e] vem à tona depois do mergulho nas profundas e pardacentas águas do passado que escondia os tesouros de uma sociedade interiorana à margem da vida, subjugada ao ciclo dos rios Tarauacá e Muru, oprimida pela floresta e sujeita aos humores dos homens capazes e impor aos semelhantes um destino de fatalismo congênito e uma pasmaceira telúrica. José Higino nesse livro rompe fronteiras, quebra barreiras e inaugura um novo paradigma para a compreensão da história de um povo, não só o tarauacaense, mas o do acreano como um todo.
Sua narrativa toma uma dimensão especial porque não se trata apenas de uma obra de ficção, é antes de tudo fragmentos de sua própria história, são episódios por ele conhecido, outros relatados e muitos até mesmo vividos, o que confere uma boa dose de realidade ao seu trabalho. Nele emergem fatos importantes do passado tarauacaense, como os espetáculos teatrais, a campanha política para a instalação do PTB em Tarauacá, os dramas daqueles que dependiam do avião para escapar à morte, as perseguições aos que não rezavam pela cartilha do situacionismo. No entanto, a obra não se trata de um compêndio de história, o enredo desenrola-se perfeitamente também em forma de romance, protagonizados por Alfredo e Silvinha. Alfredo é um moço, de início, rebelde capaz de perdulariamente jogar idéias e sonhos dos pais na inapetência dos estudos, sujeitando-se ao ramerrão de serrador de troncos, ordenhador de vacas e fadado ao trabalho braçal, e que devota um grande amor por Silvinha, uma bela moça de Tarauacá.
O livro já nasceu clássico para as letras acreanas, continua e continuará a ser uma das páginas mais belas da história literária acreano-tarauacaense a se eternizar ao lado dos já imortais Leandro Tocantins e J. G. de Araújo Jorge. Mas cabe ressaltar juntamente com o autor que lamentavelmente, pessoas com melhores condições nunca se interessaram pelo assunto e, que todo esse manancial corria o risco de se perder, sem que as gerações futuras dele tomassem conhecimento.
José Higino de Sousa Filho, a exemplo do pai, deixa uma inestimável contribuição para a atual e futura geração de tarauacaenses, de um passado gigante e esperança de um futuro promissor. Temos muito que lamentar, pois ainda não foi dado o devido valor àqueles que têm trabalhado pela conservação de nossa memória e identidade. Esperamos o mais breve possível uma reedição dessa importante obra para que não seja mais uma obra rara, mas que todos possam desfrutar desse patrimônio da cultura acreana. Mas isso depende de boa vontade política, o que é difícil de se encontrar atualmente. Fica nossa eterna gratidão a José Higino de Sousa Filho que hoje vive e mora em Rio Branco-Ac, autor também de O trabalho vence tudo e SENAI- 10 anos contribuindo para o desenvolvimento do Acre.
Dessa forma, A luta contra os astros, transforma-se na luta daqueles que amam este chão e trabalham incansavelmente para que a memória de nossa gente não se transforme em cinzas e nosso passado não seja apenas um borrão indecifrável.
Imagens: Blog do Palazzo E Isaac Melo
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